sábado, 16 de junho de 2012

Caso Eloá: a sentença de Lindemberg e atuação da mídia

 

No dia 16 de fevereiro de 2012 o jovem Lindemberg Alves Fernandes foi condenado a 98 anos e 10 meses de reclusão, em regime fechado, pela morte da ex-namorada Eloá Pimentel. O caso teve uma extensa cobertura da imprensa, desde o início do cárcere
      O INOVE conversou com o advogado Ruy Tucunduva, mestre e doutor pela Universidade de São Paulo, professor do curso de mestrado da UNINOVE e coordenador do curso de direito, no campus Memorial.
      Na entrevista a seguir, ele analisa o papel da imprensa em casos que causam comoção pública, a ação da polícia, os limites da liberdade de imprensa, dentre outras questões.

      INOVE - Por que a lei não permite que uma pessoa, como Lindemberg Alves, fique mais de 30 anos na prisão?
      RUY TUCUNDUVA – Trata-se de opção legislativa, a lei brasileira entende que as pessoas "normais", não necessitam de mais de 30 anos de reclusão, uma vez que em 30 anos, seria possível o sistema, em tese, recuperá-la. Por pessoas "normais" estou me referindo aos plenamente imputáveis, como no caso do Lindemberg em que há um laudo dizendo que ele é imputável, ou seja, consegue entender as suas ações e determinar sua conduta de acordo com o que a sociedade imaginaria normal. Ele é uma pessoa "comum".

      INOVE - Neste caso, até que ponto a lei pode favorecer o réu, após a condenação, com o regime semi-aberto e outros benefícios?
      RT - Ele foi condenado a 98 anos e 10 meses de reclusão. Os benefícios são calculados com base nessa pena e não nos 30 anos. Ele pode se beneficiar, por exemplo, da liberdade provisória, mas para isso, teria que cumprir dois terços da pena, que são mais de 60 anos. Gostaria de esclarecer que discutir um caso concreto, é sempre complicado, porque nós precisamos conhecer a fundo os autos, ter acesso ao processo, saber minuciosamente o que está ali, até porque nós não podemos ficar apenas nos guiando pelo que é dito pela mídia.

      INOVE – Qual foi a estratégia usada pela defesa?
      RT - A advogada agiu com os instrumentos e pelos meios que ela tinha à sua disposição. Era um caso muito difícil, mesmo para defesa, mas ela agiu de uma maneira adequada dentro da linha de defesa dela. As pessoas precisam saber separar o que é o trabalho do advogado e de quem é o réu, são coisas diferentes. Aliás, nesse sentido a advogada foi defendida pela própria promotora de justiça, que disse que a profissional estava realizando um trabalho, exercendo a profissão dela, que merecia respeito e que não poderia ser confundida com a figura do réu.

      INOVE - Após a sentença, a advogada pode realmente pedir anulação do julgamento? Quais são as chances desse pedido ser atendido?
      RT - Sim, ela (advogada de Lindemberg) já pediu a anulação do julgamento e isso ainda será analisado. Tudo que acontece dentro de um processo tem um contraditório, quer dizer, tudo que é alegado por uma parte, pode vir a ser rebatido pela outra. Então, as alegações da advogada serão depois submetidas ao Ministério Público, que poderá se pronunciar e rebatê-las, para que em um momento posterior a isso o representante do Poder Judiciário venha e decida.

      INOVE - No que diz respeito ao envolvimento da mídia, em meio às negociações, algumas empresas ou jornalistas poderão realmente sofrer punições?
      RT – Sim, já existem algumas ações. Eu tenho conhecimento que o próprio Ministério Público está processando emissoras de televisão e também jornalistas por conta disso. Acho que o caso mais notório seja o da jornalista Sônia Abrão. Se não me engano, a reparação que se busca é de cerca de um milhão e meio de reais.
Esses valores, de indenização, passam pela parte de possibilidade de quem paga, porque senão, uma emissora de TV pode fazer as contas e dizer que prefere pagar uma indenização de 50 mil reais, e continuar produzindo um jornalismo marrom, porque tal quantia não irá repercutir.  Não estou discutindo se a conduta da polícia foi adequada em todos os momentos, mas de qualquer jeito, são os profissionais que o Estado tem para nos defender e a mídia naquele momento deveria ter acatado o que os policiais pediam.
      Os grupos de elite da polícia solicitaram as emissoras de TV, que não fizessem contato e elas, não apenas fizeram, como procuraram interferir e negociar.
 Eu me filio àqueles que acham que a mídia agiu de uma maneira inadequada, isso pode sim ter ocasionado problemas na negociação.

      INOVE - Mas em casos como esse, a polícia não bloqueia a linha telefônica do indivíduo?
      RT - Mas era a linha que a polícia utilizava para a comunicação. A polícia ficou sem comunicação porque a entrevista da Sonia Abrão durou bastante tempo e interferiu no sentido do encaminhamento da negociação, que era muito difícil, segundo os especialistas, uma negociação que se prolongou muito mais do que o tempo adequado em um caso como esse.
      Algumas falhas são notadas e comentadas por diversos especialistas em segurança, notadamente a permissão para que uma das vítimas que já estava em segurança, voltasse para a negociação, ainda mais uma menina de 15 anos também, no caso a Nayara, que levou, literalmente, um tiro no rosto e sobreviveu por milagre.

      INOVE - Você comentou que para poder analisar o caso a fundo, seria necessário conhecer os autos. Qualquer pessoa pode ter acesso a eles?
      RT - Os processos, via de regra, são públicos. Para que seja decretado sigilo de um processo, é necessária motivação, seja ela por um documento, por exemplo, os processos nos quais, você tem imposto de renda de um indivíduo, que é um dado sigiloso. Portanto, esse processo correrá em segredo de justiça.
      Processos em varas de família, que envolvem questões delicadas e particulares, também são, em via de regra, sigilosos. No mais das vezes, os processos são públicos.
Para que haja decretação de sigilo, é necessário que uma das partes solicite e que isso seja deferido pelo juiz, a partir de uma motivação justa.

      INOVE - Você acha que especialistas, como Percival de Souza, acompanhados de um jornalista, ao analisarem alguns casos, podem atrapalhar de alguma forma o desdobramento dos fatos?
      RT - Eu acho que a imprensa deve ser livre, e ter liberdade plena, mas sempre com responsabilidade. Eu sou absolutamente favorável a posterior responsabilização.
Se atrapalha ou não, as posições e as opiniões do Percival de Souza, elas são muito bem fundamentadas, ele é uma pessoa muito bem preparada, mas deve sempre, e tem primado por fazer isso, discutir o caso em tese, sem dizer "é isso ou aquilo", porque para que nós possamos dar essa segurança, é necessário conhecer os autos e nem sempre nós conhecemos. Então, ficar na especulação é sempre muito perigoso, porque depois o juiz decide, de uma maneira diferente e o próprio profissional do direito que estava lá se pronunciando, pode ter sua carreira jogada fora, por uma afirmação leviana.

Por Bruno Braga, com colaboração de Walber Silva
05 / 04 / 2012

(Entrevista publicada no site da Universidada Nove de Julho - Jornal Inove. Para visualizar a matéria Clique aqui.)

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